O ator David Jr foi um dos protagonistas da novela ‘Bom Sucesso’ da TV Globo.
Redação/Portal de notícias e fotojornalismo Natal/eliasjornalista.com
O ator David Jr. é um dos nossos ilustres entrevistados para juntos e através de visões pluralistas, chegarmos a conclusões que sejam importantes para todos. Defensor do posicionamento político, ele pontua: “Se o artista acredita que a fama e os likes são mais importantes do que uma vida que se perde por segundo em nosso país, é porque ainda não doeu na família dele, ou não se sensibiliza com a dor de ninguém”.
Você acha que os artistas, que antes de qualquer coisa são cidadãos brasileiros, têm que se posicionar sobre assuntos políticos importantes?
Além de cidadãos, somos um corpo político e nossas atitudes repercutem nossos ideais. A política se faz no dia a dia. Quando você não põe um gato na sua luz ou quando você não aceita aquele dinheiro pra votar em tal político, quando você se revolta com o genocídio do povo preto nas periferias, você, enquanto cidadão e artista, está se posicionando politicamente. Posicionamento político pacífico faz parte da democracia e nós, artistas, que temos um alcance maior da massa, devemos estar alinhados com o interesse do povo, de maneira democrática, mas nunca omissa. A arte tem esse dever desde o seu nascimento.
Na campanha eleitoral de 2018 houve um posicionamento de muitos da classe artística. Hoje, 2 anos depois, qual a posição do David Jr. sobre o atual governo brasileiro?
Eu estou alinhado com os interesses do povo. Se temos uma política vertical, seletiva, misógina e preconceituosa, ela está longe de estar alinhada com a massa. Então eu não posso ser a favor dela, ainda mais sendo preto e periférico. Sei que nunca fomos objeto de interesse da política do Brasil. Fomos educados a nos odiar. Criamos uma politica de segurança pública que nos vê como ameaça e age com a cultura dos capitães do mato. O genocídio do corpo negro é algo que não importa ao governo atual. Pelo contrário! Eles chancelam tal movimento como positivo à população (branca e burguesa), nos tratando como a ‘escória da sociedade’.
Acha que os artistas evitam se posicionar com medo de represálias?
Cada um luta pelo que acredita. Se o artista acredita que a fama e os likes são mais importantes do que uma vida que se perde por segundo em nosso país, é porque ainda não doeu na família dele, ou não se sensibiliza com a dor de ninguém. A falta de empatia não está atrelado à profissão e sim ao caráter do indivíduo. Me dói ver que a cada 23 minutos morre um jovem negro em nosso país. Acabamos de perder uma criança de 14 anos em São Gonçalo, que estava brincando dentro de casa, por uma bala perdida. Eu cresci temendo pela minha vida. Aprendi a sobreviver, não a viver, então ter medo de represálias, hoje, enquanto artista negro, não é permitido pra mim. Eu preciso falar.
Acredita que a Secretaria da Cultura não tem dado o socorro necessário à classe a qual representa durante esse período difícil da pandemia? Qual a sugestão que faria se pudesse aconselhar a atual secretária?
A secretária não me representa. Nunca me representou em todos os sentidos. Falta empatia. A nossa classe tem sofrido tanto quanto muitos outros profissionais nessa pandemia, mas temos uma pessoa à frente da cultura que pode falar por nós. No entanto, usa seu poder pra tapar o sol com a peneira, querendo pregar leveza e amor por cima da dor de tanta gente. Seja mais empática. Se posicione, ministra. Mostre que você tem feito algo pelos profissionais que ficaram tantos anos por trás das câmeras enquanto você era a ‘namoradinha do Brasil’. Mostre essa reciprocidade amorosa agora que está aí ao lado de quem governa esse país, já que VOCÊ acredita que ele pode fazer alguma coisa por nós.
Negros, segundo dados do ministério da saúde, são os mais afetados pelo coronavírus. Lembrando que a população negra do Brasil representa 56.10% do total e, de acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, 67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde) são negros, você acredita que a saúde, mesmo em tempos de pandemia, ainda é artigo de luxo de uma elite branca do país?
É só você entrar no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, depois for ao Vitória, na Barra da Tijuca. Acompanhe quem se interna em uma unidade de saúde depois na outra e terá a resposta. Como disse antes, nossa política pública tem a cultura do genocídio do povo negro. Procurem o vídeo do Ad Júnior sobre eugenia, ele explica bem o porquê de tudo isso, como nossa sociedade foi culturalmente educada para nos jogar à margem da sociedade, priorizando a elite branca e nos vendo como seres descartáveis, degenerados e inúteis. A estrutura social brasileira não nos permitiu avançar. Pelo contrário! Fomos privados de nossos direitos de ir e vir, de possuir terras, de estudar e de ocupar lugares que o brancos ocupavam até o fim do século XIX e início do século XX. A meritocracia no Brasil não existe, nunca existiu. Se o SUS é ocupado pela maioria do povo preto é porque fomos jogados lá, com profissionais de saúde fazendo o que podem para salvar vidas, mas com um sistema precário e falido. Eu fui corretor de planos de saúde e sei que um plano com uma boa cobertura custa mais que um salário mínimo, dependendo da idade. A saúde privada é artigo de luxo sim e esse artigo pertence majoritariamente aos brancos.
Você acredita que o isolamento social ou lockdown são necessários e ajudam na diminuição da propagação do vírus?
Países do mundo inteiro que tem combatido o mesmo vírus, tem usado essa técnica, não vejo outra solução que não seja essa. Entendo que nem todos podem ficar sem trabalhar, principalmente a periferia, mas quero acreditar que somos capazes de ajudar uns aos outros enquanto sociedade, pra que juntos, lutemos primeiro por vidas. Depois pela economia.
Fonte: Jornal O Dia
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