Redação/Blog Elias Jornalista
Artigo de Claudia Santa Rosa
Nunca fui uma estudiosa da obra de Paulo Freire (1921-1997), tampouco tive a oportunidade de atuar na alfabetização de adultos, justamente pelo fato do meu trabalho sempre ter sido dedicado às crianças dos anos iniciais. Sendo assim, reduzi-me à condição de leitora menor de uma parte da sua obra. Felizmente fui além daquela mera consumidora de algumas frases soltas ou de citações feitas por outros autores. Sim, debrucei-me sobre a essência do seu pensamento filosófico e pedagógico. Estudei muito pouco, mas o suficiente para enriquecer a minha práxis de educadora comprometida com a formação de crianças cidadãs, sem jamais me contaminar pelas escolhas político-partidárias do próprio Freire ou de quem fez dele, por convicção ou oportunismo, mote para discursos eleitoreiros. Sou adepta da pedagogia que potencializa o outro para ler o mundo, fazer a crítica, concordar e discordar, realizar escolhas, o que difere das tentativas de condicionamento, de adestramento ideológico.
Na data de hoje, se vivo estivesse, Freire faria 100 anos. Pelas redes sociais acompanho centenas de postagens de professores, políticos… também de “entendidos” que celebram o educador, quase sempre como se as suas ideias e seu método estivessem presentes, de maneira hegemônica, em nossas salas de aula, quando isso não acontece nem mesmo na Educação de Jovens e Adultos ou nos programas específicos de alfabetização de adultos e idosos.Também leio algumas postagens de outros, não menos “entendidos”, que atribuem o fracasso da educação brasileira ao legado de Paulo Freire. Calma, permitam-me opinar: “nem tanto ao céu, nem tanto ao mar”!
Importante situar: Paulo Freire iniciou, em 1963, em Angicos, no Rio Grande do Norte, a experiência relevante de implementação do seu método para alfabetizar adultos de forma rápida e com baixo custo. Merece respeito. Alfabetizou 300 adultos em 40 horas de estudos. O seu projeto tornou-se referência e a intenção era expandi-lo para outros municípios do RN e outros estados do país como “projeto-piloto”. Com o Golpe de Estado, em 1964, Paulo Freire foi preso por 70 dias e exilado por 16 anos. A experiência foi extinta antes de ser nacionalizada por meio de um Plano Nacional de Alfabetização. Portanto, não alcançou perenidade nem mesmo onde começou.
Em síntese, o método de Freire preconiza a alfabetização a partir de palavras geradoras e conceitos do cotidiano de cada aluno. Após 40 horas de estudos, o alfabetizando aprende a decodificar palavras que verbalizava no cotidiano e a problematizar sobre o seu lugar no mundo. O método também envolve teste de alfabetização e teste de politização do adulto, preparando-o para se incluir no mundo letrado. Indago: como afirmar que é essa a proposta predominante nas escolas brasileiras, atendendo das crianças aos adultos? Dizem que é o que acontece de norte a sul do país e por isso os pífios resultados de aprendizagem que amargamos. Ora, ora… só mesmo quem pouco sabe de Educação para acreditar nesse tipo de afirmativa. O nosso problema educacional tem raízes na falta de compromisso com a área e no pouco caso com a escola dos filhos dos outros.
Convém esclarecer: nunca foi exatamente o método de alfabetização de Paulo Freire que interessou aos projetos que idealizei, mas os seus pressupostos teóricos que, junto com os referenciais de outros autores, me permitiram construir um jeito de agir e fazer educação comprometidos com o direito de aprender, especialmente dos filhos dos trabalhadores que estão nas escolas públicas. Refiro-me a uma Educação em contexto que permita a vivência na cidadania, desde a infância. Não me apetece discursar sobre Freire, mas praticar uma pedagogia que empodere os estudantes com acesso ao currículo formal de maneira significativa, solidária, autônoma, humanizadora.
Amanhã, segunda-feira, dia 20 de setembro, depois de um ano e meio, a escola onde eu trabalho voltará com as atividades letivas presenciais, embora desejasse essa retomada ainda no início do ano em curso, observando os cuidados sanitários, decorrentes da pandemia da Covid-19. De tempo integral, só será possível voltar em tempo parcial, contando com algumas salas cedidas, na escola vizinha, porque o prédio próprio passa por serviços de reparos, iniciados tardiamente. Coordeno esse projeto de sucesso que ostenta resultados expressivos nas avaliações nacionais. Registre-se: encontrar uma solução para a retomada foi por completa iniciativa nossa. Isso se chama compromisso com o público que atendemos e com a transformação que tão bem defendeu Paulo Freire. É espantoso verificar a apatia do órgão central da Educação na identificação de alternativas para fazer as escolas funcionarem, assim como há escolas que se apoiam em conveniências e deixam de cumprir a função social que a mantém de portas abertas. Sem direito à educação é difícil o oprimido sair dessa condição.
É urgente, portanto, que Paulo Freire ultrapasse os discursos proferidos em seminários, simpósios, congressos e assemelhados porque em nada alteram a Educação. Da mesma forma que atacá-lo por questões ideológicas jamais reverterá os nossos indicadores.
Claudia Santa Rosa é ex-secretária de educação do Governo Robinson Faria e membro titular do Conselho Estadual de Educação.
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