Uma audiência pública de iniciativa da deputada estadual Isolda Dantas (PT), com objetivo de atualizar a legislação potiguar referente à cannabis medicinal, foi realizada nesta quarta-feira (11), na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. A parlamentar foi autora da Lei estadual nº 11.055/2022 relacionada ao tema, que agora, de acordo com ela, precisa ser atualizada.
Ao abrir o debate, a deputada Isolda Dantas lembrou da trajetória do mandato dela na luta para conseguir aprovar a legislação sobre cannabis medicinal na Casa Legislativa. “Esse é um tema bastante revestido de preconceito e conservadorismo, mas o RN deu um passo adiante e conseguiu aprovar uma legislação estadual bastante ousada. Hoje, essa Lei ajuda muito em alguns aspectos correspondentes à autorização para que pacientes possam fazer tratamento, ajuda no incentivo à pesquisa e na divulgação de informações sobre o uso medicinal”, informou.
Ela enfatizou o objetivo de atualizar a legislação para que o Rio Grande do Norte possa ampliar a perspectiva com relação à cannabis medicinal. “O acesso hoje é restrito a quem tem dinheiro. No SUS, isso ainda é muito distante. Então, essa audiência tem um efeito prático, vamos fazer um relatório para que possamos dar entrada na atualização da legislação”, contou.
Quem também falou no evento foi Felipe Farias, representante da Reconstruir Cannabis, ONG responsável pelo acolhimento de pacientes para uso de remédios à base de cannabis. Ele ressaltou que a planta foi criminalizada por décadas e hoje retorna para a população em forma de saúde. E que tudo que se fala sobre cannabis hoje no Brasil é voltado à educação, tanto da população, que precisa entender para que serve a planta, tanto dos profissionais, sobretudo, os que trabalham na segurança pública, na agronomia e na área da saúde. “O paciente que está com dor hoje não quer esperar um médico específico que vai prescrever a cannabis, portanto, a Lei vem para fomentar mais a capacitação do profissional de saúde, para que mais gente entenda mais sobre a planta. Além disso, a planta como um todo e os benefícios dela são amplos, a demanda científica e social também é muito grande. A lei precisa identificar todos os pontos e atender essas demandas”, falou.
O representante da OAB, o advogado Túlio Benavides, que lida com pacientes necessitados desses tratamentos, lembrou que boa parte dos obstáculos ao tratamento com cannabis são obstáculos burocráticos e de preconceito, mas que isso está começando a ser revertido. “Espero que essa audiência seja mais um passo que o RN dá a uma regulamentação séria, justa, sóbria e eficaz, para que o acesso a cannabis medicinal seja democratizado e seja acessível para todos que precisam”, disse.
Sobre o tratamento com cannabis voltado ao público pet, o médico veterinário, Max Moura, mencionou a Resolução da Anvisa, aprovada em 30 de outubro de 2024, que vai permitir a prescrição de produtos de cannabis aos pacientes pets. Ele lembrou que o mercado pet é um mercado muito amplo e só cresce. “Nós temos no Brasil em torno de 160 milhões de animais de estimação, será que podemos negar a eles um tipo de tratamento que a gente está começando a ter acesso de forma mais efetiva?”, questionou. Ele opinou que a Resolução da Anvisa trará benefícios, mas não de curto prazo, por causa do acesso a esse tipo de produto, que é restrito.
O pesquisador e professor da UFRN, do Departamento de Farmácia, Tulio Moura, realçou que o assunto interessa muito ao País. Ele falou um pouco sobre os projetos de pesquisa que ele participa, aprovados e em andamento, relacionados ao tema. “Esses projetos desenvolvem metodologia analítica que possam detectar todos os componentes presentes nos medicamentos ou em qualquer produto que contenha extrato ou derivado de cannabis, porque precisamos nos certificar da composição para aplicar nas devidas patologias. As patologias são diferentes e requisitam concentração de componentes diferentes”, explicou.
Ele também falou da questão do nome cannabis ser marginalizado e argumentou que a papoula produz o ópio, mas também produz a morfina e muitos pacientes aliviam suas dores com morfina. “Para que a papoula não fosse marginalizada, foi necessário entender, conhecer e saber fazer uso dela. A água mata a sede, mas também mata alguém afogado, portanto, tudo é uma questão de pesos e medidas. Então precisamos conhecer a planta e como ela se comporta”, falou.
O pesquisador também mencionou o projeto de um protocolo de creme para aliviar a dor da fibromialgia, uma doença crônica que se caracteriza por dor generalizada e persistente em todo o corpo. Ele explicou que o óleo não penetra e não é absolvido na camada mais profunda da pele e, por isso, não tem a resposta terapêutica adequada. E o estudo é justamente para facilitar a permeação cutânea dos compostos. “Esse creme é para diminuir o inchaço, a dor e fechar as rachaduras na pele. É nesse sentido que estamos trabalhando, para desenvolvermos e conseguirmos ter um produto de qualidade e de baixo custo, para que possa atender principalmente àqueles que não têm como custear nem aliviar o sofrimento”, completou.
A vereadora Brisa Bracchi também esteve presente na audiência pública e falou do orgulho que tem da deputada Isolda Dantas por tratar do tema. “Esse assunto tem sido objeto de uma disputa com relação à direção por onde avançar. Por isso, é muito importante que a gente faça essa discussão no parlamento, junto dos movimentos, das instituições que debatem com seriedade o tema. Queremos construir estratégias coletivas, por isso falamos de todas as pessoas poderem ter acesso aos tratamentos, diferente da construção de alternativas individuais, que alimentam cada vez mais o mercado da cannabis. Nós não enxergamos como um mercado de geração de lucros, mas como uma alternativa de garantir qualidade de vida digna para as pessoas, para que elas tenham acesso garantido ao tratamento, sem passar por maiores polêmicas”, ressaltou.
Também falou sobre o tema a coordenadora da Implantação da Primeira Farmácia Viva da SESAP-RN, Larissa Pereira. Ela aproveitou para contar um pouco do objetivo da política da Farmácia Viva, que é de ampliar a garantia de acesso à saúde para a população. “Desde 2010, existe a Portaria do Ministério da Saúde que normatiza a Farmácia Viva, que é um ambiente construído por dois espaços, o horto de plantas medicinais, onde ocorre o cultivo de forma controlada, sob orientação de um engenheiro agrônomo, e a farmácia de manipulação, onde o farmacêutico atua acompanhando a qualidade da planta medicinal e a produção do medicamento”, explicou. O RN está em processo de implantação da primeira Farmácia Viva.
Por fim, discursou a médica psiquiatra, Mariana Muniz, enfatizando como o tema será discutido dentro do SUS, que, segundo ela, deve estar interconectado com a ideia de democracia. A profissional defendeu que não se deve só levar em consideração as perspectivas médico epidemiológicas. “Essa perspectiva não leva em conta os efeitos na população. Estamos falando de uma planta que é proibida e deslocar dessa perspectiva para uma perspectiva terapêutica é muito importante, mas deve ser feito à luz da rede, que é a produção de saúde. Passamos pela Covid-19 e vimos a necessidade de ações coletivas para que aquilo acabasse, só que isso acontece em todas as doenças, alguém que tem dor não vive com dignidade, então é importante que a população se aproprie do conhecimento científico, de como a ciência é produzida, para que consigamos passar essa barreira, que é a pauta médico epidemiologia, que é uma visão restrita desse escopo”, disse.
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