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Postado às 08h03 DestaquePolítica Nenhum comentário

Crédito Eduardo Maia/ALRN.

O Legislativo Estadual foi palco de relevante debate na área da Saúde Pública, durante a tarde desta quinta-feira (29). Proposta pela deputada Cristiane Dantas (SDD), a audiência pública trouxe à tona “a urgente necessidade da criação de um Centro de Referência para Doenças Raras no Estado”, conforme sinaliza o tema. Participaram das discussões alguns profissionais da Saúde, como médicos e enfermeiros; representantes do Ministério Público, do Conselho Regional de Medicina do RN (CREMERN) e da Associação de Doenças Raras do RN; membros do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do RN (CONSEMS), da Secretaria Estadual da Saúde Pública (Sesap/RN) e da Comissão de Saúde da OAB/RN; além do coordenador de Promoção Estadual dos Direitos da Pessoa Com Deficiência e de pacientes e seus familiares.

“A data de hoje – 29 de fevereiro – marca a Campanha de Conscientização sobre o Dia Mundial e Nacional das Doenças Raras. Essa mobilização foi criada pela Organização Europeia de Doenças Raras (EURORDIS) e mais de 65 parceiros, com o objetivo de dar visibilidade aos pacientes e gerar mudanças para os 300 milhões de pessoas em todo o mundo que vivem com uma doença rara, além de suas famílias e cuidadores”, iniciou Cristiane Dantas.

Segundo a deputada, no Brasil, onde se estima que 13 milhões de pessoas sejam afetadas por doenças raras, a data emblemática foi instituída pela Lei nº 13.693/2018.

“E, sensibilizada com a necessidade de se dar mais visibilidade aos raros, fui a propositora da Lei nº 11.477/2023, que instituiu 28 de fevereiro como o Dia Estadual das Doenças Raras”, acrescentou.

A parlamentar destacou na audiência dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), que define doença rara como a que atinge menos de 65 pessoas em cada grupo de cem mil, ou seja, 1,3 pessoas para cada 2.000 indivíduos.

“Segundo a OMS, as doenças raras se caracterizam por serem degenerativas, crônicas, progressivas e incapacitantes. Essa condição afeta a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias, além dos casos que levam à morte, como tem sido frequente nas crianças. Estima-se que existam entre seis e oito mil tipos diferentes de doenças raras, sendo 80% delas decorrentes de fatores genéticos; as demais, avalia-se que sejam resultado de causas ambientais, infecciosas e imunológicas”, informou Cristiane.

A respeito do tratamento dessas enfermidades, a deputada esclareceu que, como muitas das doenças raras não têm cura, geralmente é feito acompanhamento clínico, fisioterápico, fonoaudiológico e psicoterápico, entre outros, com o objetivo de aliviar os sintomas ou retardar a evolução da doença.

“Quanto ao tratamento com medicamentos, não há interesse da indústria farmacêutica, pelo fato de haver relativamente poucos pacientes”, complementou.

Ainda de acordo com a parlamentar, existe um documento, elaborado pelo Ministério da Saúde, que engloba as diretrizes para o cuidado às pessoas com doenças raras na rede de atenção à Saúde.

“Esse documento foi construído com o auxílio da sociedade civil, associações e especialistas no assunto. O objetivo foi organizar a atenção no âmbito do Sistema Único de Saúde, a fim de reduzir o sofrimento dos afetados e permitir aos gestores de Saúde a racionalização de recursos, mas suas diretrizes ainda não têm sido muito aplicadas”, criticou.

Finalizando seu discurso, Cristiane Dantas frisou que “é preciso centralizar os atendimentos, tanto para se fechar um diagnóstico mais rápido, quanto para facilitar o acesso aos tratamentos e ao acompanhamento multidisciplinar. Vale lembrar que é mais barato para o Poder Público investir em prevenção, na atenção básica e de média complexidade. Então, que este seja mais um momento oportuno para encaminhamentos necessários neste sentido”, concluiu.

Falando sobre sua experiência como paciente, Kacia de Souza, representante da Esclerodermia e Esclerose Sistêmica no RN, contextualizou as doenças raras no Estado e explicou por que o centro de referência é tão importante para essa parcela da população.
“Será que somos invisíveis à sociedade e aos órgãos públicos? Será que somos subnotificados? Será que existem profissionais realmente capacitados para nos diagnosticar?”, indagou.

Ela mostrou também os sintomas mais comuns da Esclerodermia, alertando que são sinais muito claros e que “não deveria ser tão difícil de se chegar a um diagnóstico precoce, porém, falta treinamento adequado para os profissionais”, opinou.

“Nós buscamos tratamentos que amenizem os sintomas e nos deem o mínimo de qualidade de vida e de função dos nossos órgãos. Para isso, nós precisamos ser encaixados como pacientes de cuidados paliativos, que precisam de uma equipe multidisciplinar. Nós já temos um meio caminho andado, que é a estrutura do HUOL, basta os governantes agirem”, disse.

Em seguida, Kacia de Souza criticou a burocracia, presente na longa espera para a realização de exames e na dificuldade de efetivação dos tratamentos, por serem de alto custo.

“Eu tenho o diagnóstico há quase 13 anos. E, quando o recebi, foi como uma sentença de morte. Na situação em que a gente vive, o diagnóstico é uma sentença de morte. Se você não tiver condições de buscar o tratamento, é uma sentença de morte; uma pessoa que tem filhos, ao receber o diagnóstico, tem dúvida se vai poder criá-los; além disso, mulheres que recebem o diagnóstico muitas vezes são largadas pelos maridos. Então, tudo que a gente pede é que se diminua a burocracia, que nos deem acesso ao tratamento, que nos ajudem a lutar pela nossa vida”, relatou.

Ainda de acordo com a paciente, a diminuição da burocracia é a diferença entre ser uma pessoa socialmente ativa, como ela, e ser uma pessoa mutilada, como várias de suas colegas.

“É a diferença entre ter qualidade de vida, conviver com a família, ver um filho crescer; e ficar em estado vegetativo. Portanto, eu peço que vocês se conscientizem, pois existe muito sofrimento dentro das doenças raras, e a falta de condição financeira realmente mata. E tudo que nós queremos é que deixemos de ser invisíveis frente ao Poder Público e aos órgãos relacionados à Saúde”, afirmou.

Na sequência, o Dr. João Neri, único geneticista do Rio Grande do Norte, contou que, em 2013, o Ministério da Saúde resolveu montar uma portaria para regulamentar a atenção às doenças raras, e ele teve a oportunidade de participar, sendo o único do Nordeste.

“Desde então eu venho tentando estimular a Sesap a montar um serviço de referência no Estado. Primeiro, por uma questão de política pública. Se eu conheço a minha população, eu consigo direcionar melhor as minhas verbas e consequentemente o meu custo é menor, com judicialização e tratamentos mais caros. Além disso, o paciente poderá se tornar um indivíduo economicamente ativo. Segundo, porque o RN está entre os estados com maior taxa de consanguinidade do Brasil. Em alguns municípios, a taxa chega a 32%. E o terceiro motivo é que, devido a essa portaria, o Ministério da Saúde disponibiliza verba para os pacientes. Para se ter uma ideia, só com pacientes que eu atendo, o Estado receberia 6 milhões de reais por ano, desde 2014. Ou seja, foram 60 milhões que nós deixamos de receber para ajudar uma população que tanto precisa e que está reclamando de invisibilidade”, destacou.

Dr. Felipe Toscano, neurologista do HUOL, falou da realidade de atendimentos no hospital universitário.

“Os raros são muitos, e a Neurologia é uma das especialidades que mais recebem esses pacientes. Por exemplo, nós temos o Ambulatório de Doenças Neuromusculares que atendeu, até 2022, mais de 1700 pacientes com diferentes diagnósticos de doenças genéticas ou não genéticas”, informou.

Em seguida, o médico fez também uma explanação sobre as doenças autoimunes “Esclerose Múltipla” e “Neuromielite Óptica”, que, segundo ele, atacam principalmente o cérebro e a medula espinhal.

Finalmente, o Dr. Felipe Toscano alertou sobre as dificuldades de se conseguir ressonâncias magnéticas e até exames de sangue para fechar o diagnóstico dos pacientes, além da dificuldade ao acesso preventivo e, principalmente, à reabilitação (fisioterapia, fonoaudiologia, dentre outros serviços).

Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do RN, Dr. Marcos Jácome, todos que fazem o CREMERN ficam sensibilizados com a luta e estão à disposição para ajudarem no que puderem.

“Os médicos especializados trabalham para proporcionar uma boa qualidade de tratamento, mesmo enfrentando as dificuldades mencionadas anteriormente. E todo ano nós falamos a mesma coisa, mas a realidade não muda. Então a gente verdadeiramente espera que, desta vez, o nosso Poder Público se sensibilize e que daqui saia uma ação concreta, pois se continuarmos desse jeito perderemos vidas irrecuperáveis, teremos agravamentos de doenças irreversíveis e iremos testemunhar desfechos trágicos e inconsequentes. Portanto, a nossa perspectiva é a de que, através de momentos como este, possamos ver mudanças de comportamentos e seriedade governamental para que esse quadro mude”, enfatizou.

Após a fala do presidente do CREMERN, a deputada Cristiane Dantas se dispôs a falar com os demais parlamentares da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, a fim de se dirigirem aos órgãos responsáveis do Governo do Estado para buscar a efetivação do centro de referência com o seu respectivo concurso público para preenchimento do quadro de pessoal.

Superintendente do HUOL, Eliane Pereira reforçou a importância do hospital em diversas linhas de cuidado, como Reumatologia, Neurologia, Pediatria e Cardiologia.

“Ao longo desses meses à frente do HUOL, a gente vem observando que são muitas as linhas de cuidado das quais o hospital faz parte, em diversas áreas da Medicina. Ao todo são 21 habilitações dentro do Estado”, detalhou.

A respeito do pleito do centro de referência, a superintendente afirmou que não é apenas da população, mas também dos profissionais.

“Mesmo sem ser um centro de referência, o nosso hospital faz o atendimento relativo a essas doenças. Nós somos de média complexidade e possuímos 210 leitos ativos para atender inúmeras demandas. Temos que pensar na nossa capacidade de atendimento. Por isso é tão importante pensar como rede e dar efetividade à criação desse centro de referência”, argumentou.

A diretora-presidente da Associação de Doenças Raras no RN, Andréa Motta, destacou a dificuldade de fazer os pacientes com doenças raras chegarem até os ambulatórios.

“Eu não fico sentada na associação esperando o paciente vir me procurar. Eu entro no carro e ando 1.200 km por dia para visitar as pessoas que não têm acesso a um geneticista. Nessas viagens, eu faço rodas de conversa e palestras, falando sobre as doenças raras, quais as suas características e como os pacientes podem ir até o geneticista. É aí que vem o problema: como eu chego ao geneticista? Porque, pelo protocolo, a espera é de dois anos, da marcação da consulta até o atendimento. Por isso nós fugimos do protocolo. O Dr. João tem uma parceria conosco, então, quando estamos nesses atendimentos, nós enviamos fotos ao Dr. João e ele nos fala a possível doença. Depois disso, ele faz um mutirão, por conta própria, no seu horário vago, e sai atendendo as pessoas – crianças e adultos – para dar os diagnósticos e solicitar exames”, detalhou.

Ainda segundo Andréa Motta, existe outra parceria (com o Huol), no Ambulatório de Pediatria, através da Dra. Juçara e da enfermeira Telma, que acolhem os pacientes enviados pelo Dr. João, a fim de realizar os exames e fechar seus diagnósticos.

A vice-presidente do Cosems (Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do RN), Dailva Bezerra, agradeceu o convite e parabenizou o incentivo da Casa Legislativa à luta das pessoas com doenças raras.

“Nós, que fazemos parte do conselho e acompanhamos de perto a realidade, sabemos muito bem dessa luta e do sofrimento das pessoas em cada município distante da capital. Quando vamos nas cidades mais longínquas, nós vemos a dificuldade de se conseguir um espaço no Sistema de Saúde. Então, todas as instituições precisam se unir, quem sabe criar um comitê, para efetivar essa política pública o mais rápido possível, e nós iremos sempre enfileirar essa batalha, porque é um sofrimento que nós vemos na nossa porta todos os dias”, frisou.

Já a representante da Secretaria de Estado da Saúde Pública, Ane Caroline Sobral, explicou que a temática já vem sendo discutida na sua sub-coordenadoria há um tempo, abordando alguns tópicos que vêm sendo trabalhados na Sesap.

“Estamos no processo de finalização para habilitação do Cerae/RN como o nosso centro de referência das doenças raras, dentro daquilo que ele consegue atender hoje. Já estamos na fase que precisa de alvará, com agendamento em março, para que possamos submeter ao Ministério da Saúde e ter essa habilitação de fato. Portanto, já é algo concreto e bem encaminhado”, garantiu.

A respeito da contribuição da secretaria com relação às políticas públicas estaduais para pessoas com doenças raras, Ane Caroline citou a necessidade de se trabalhar em diversos eixos, a fim reduzir a mortalidade e contribuir com a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.

“Nós estamos fazendo algumas atividades, voltadas à identificação desses pacientes. Temos dois seminários previstos para este ano, um inclusive em março, que envolverá 700 pessoas, dentre pacientes e profissionais da Saúde; também estamos nos trâmites finais da construção da nossa linha de cuidado; nós realizamos um seminário de Esclerodermia, em 2020, de qualificação profissional, para que os nossos agentes de saúde aprendessem a identificar e prover os cuidados necessários relacionados à enfermidade; estamos estudando formas de melhorar a qualificação dos nossos profissionais, para que eles possam prestar a melhor assistência aos pacientes de doenças raras; e, por fim, estamos avaliando de que forma podemos ampliar o acesso dos pacientes aos profissionais especializados”, finalizou.

Ao final do debate, a deputada frisou a importância de continuar a luta após a audiência, dando continuidade às reuniões e buscas de soluções para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes de doenças raras.

“Eu já solicitei à representante da Sesap para que possamos ter uma agenda com a secretária. Além disso, temos a previsão de, no curto prazo, efetivar o nosso Centro de Referência Para as Pessoas Raras. Então foi um debate bastante proveitoso”, concluiu.

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