O Legislativo Estadual promoveu, na tarde desta quinta-feira (7), audiência pública sobre o tema “A luta por um RN anticapacitista”. Proposto pela deputada Isolda Dantas (PT), o debate contou com a presença de intérpretes de libras, além de autoridades públicas estaduais e municipais, membros dos conselhos nacional e estadual de políticas para as pessoas com deficiência, representantes de entidades e movimentos sociais relacionados ao assunto e de profissionais da Saúde.
Segundo a propositora Isolda Dantas, o objetivo da audiência é “debater as necessidades do Rio Grande do Norte anticapacitista”.
“O capacitismo se baseia na ideia de que existem pessoas e padrões corporais que são definidos como normais, isto é, típicos da espécie humana. E a identificação com esse padrão torna algumas pessoas incapazes para as atividades da sociedade. Por isso, nós não podemos pautar este debate a partir da reprodução de estereótipos. Muitas vezes as pessoas com deficiência são descritas como inaptas para desempenhar atividades comuns do dia a dia – como trabalhar, estudar, namorar – ou ainda como exemplo de superação, devendo desempenhar o papel de super-heróis. E isso não lhes serve”, iniciou.
De acordo com Isolda, é preciso reafirmar a responsabilidade coletiva em construir uma sociedade que inclua a diversidade de vidas e permita a realização de todos os sonhos e projetos. “É preciso cada vez mais expandir a luta anticapacitista, de maneira organizada, em todos os espaços, públicos ou privados”.
A deputada lembrou ainda que em 2011 o Governo Federal lançou o “Plano Nacional de Direitos de Pessoas com Deficiência – Viver sem Limite”, reafirmando o compromisso do Brasil com as prerrogativas da “Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, da ONU.
“E, neste mês, o Governo Lula anunciou o novo plano ‘Viver sem Limite’, que foi elaborado de forma participativa, a partir de maio. Com cerca de 100 ações a serem entregues às pessoas com deficiência do País, o projeto representa um investimento de aproximadamente R$ 6,5 bilhões, pelos próximos anos, na garantia da dignidade, promoção de direitos e ampliação de acesso a Educação, Cultura, Emprego e demais áreas da vida dessas pessoas”, detalhou.
A parlamentar acrescentou que o novo plano traz ações estruturantes, como a instituição do “Sistema Nacional de Avaliação Unificada da Deficiência”, além do seu lançamento em todos os estados e DF, visando a articulação e a preparação nos territórios.
“Aqui no RN, ele está sendo construído pela SEMJIDH, que também vai elaborar o ‘Plano Estadual de Direitos da Pessoa com Deficiência’, o qual será encaminhado a esta Casa para ser concretizado em lei. E vocês podem contar com o nosso mandato para que isso ocorra da maneira mais célere possível. Eu sei que temos grandes desafios pela frente, mas nós vamos continuar lutando para que todas as pessoas sejam respeitadas, valorizadas e livres para sonhar e conquistar o amanhã; para que tenhamos cidadãos plenos e com direitos iguais, vivendo uma vida sem barreiras impostas pelo atual capacitismo. Portanto, eu quero externar a minha alegria por estar realizando este debate aqui hoje”, concluiu.
Em seguida, o influenciador digital Ivan Baron destacou que “debater capacitismo não é uma tarefa fácil”.
“Essa luta muitas vezes é esquecida. As pessoas com deficiência são excluídas diversas vezes, até mesmo dentro das minorias sociais. E nós somos pessoas pretas, LGBTQIA+, indígenas, mulheres. Estamos em todos os espaços e possuímos várias identidades. Por isso, enfrentar o RN capacitista não é uma tarefa só nossa, mas de todo o Estado e de todo o Brasil”, frisou.
Para Ivan Baron, o problema, de fato, está na negação de oportunidades promovida pelo capacitismo.
“O problema está em a gente cobrar o mínimo. Hoje eu me arrumei todinho, vim bonito para cá, simplesmente para cobrar o básico do Estado. Eu vim para cá cobrar, por exemplo, acesso a uma Educação inclusiva e um sistema de Saúde que não me negue atendimento, porque eu sou uma pessoa neuroatípica e preciso fazer minhas terapias. A gente não deveria precisar estar aqui fazendo isso, mas infelizmente nós temos que estar sempre vigilantes, para que nossos direitos não retrocedam”, desabafou.
Concluindo sua fala, o influenciador digital disse esperar que a audiência renda muitos encaminhamentos.
“E eu quero que as pessoas que usarem este microfone hoje não se sintam acanhadas, que falem o que quiserem, pois é aqui na Assembleia Legislativa, a Casa do Povo, que a gente pode trazer soluções para o fim do capacitismo ou pelo menos diminuir a violência que enfrentamos diariamente”, enfatizou.
O vice-presidente do Conselho Nacional de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência, Décio Santiago, lembrou as vezes que chegava num lugar para falar, e as pessoas se levantavam, por não quererem ouvi-lo.
“E hoje nós temos a Assembleia Legislativa abrindo suas portas para nos escutar. Nós temos um Governo do Estado que transformou a subcoordenadoria numa Coordenadoria da Pessoa Com Deficiência. E nós temos o presidente Lula discutindo com o Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência para efetivar o nosso plano e abrindo o Planalto para a nossa classe”, ressaltou.
De acordo com Décio Santiago, o Governo Federal irá investir R$ 177,8 milhões para fortalecer o combate ao capacitismo.
“Com isso, nós vamos fazer a formação de 8.250 professores de salas de aula comuns e de 4.500 lideranças para atuação em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, negras, mulheres e LGBTQIA+. Então, esse plano Viver Sem Limite vem para fortalecer as pessoas com deficiência na escola, no lazer, na Saúde, enfim, em todas as áreas, e isso é essencial para todos nós”, salientou, complementando que “é a primeira vez na história que a Coordenadoria da Pessoa com Deficiência do RN é composta por uma pessoa com deficiência”.
Dando sequência aos discursos, Ronaldo Tavares, vice-presidente do Conselho Estadual de Políticas para Pessoas com Deficiência, iniciou sua fala desafiando os candidatos a prefeito em 2024 a convocarem uma pessoa com deficiência para ser seu vice-prefeito.
“Façam isso. Mostrem que são anticapacitistas. Mostrem que acreditam no nosso potencial, num Estado que possui 27,78% da população com algum tipo de deficiência, fora os que têm mobilidade reduzida. Eu faço esse desafio, pois nós só vamos mudar a realidade da exclusão social, num Estado em que 1 milhão e 600 mil pessoas estão na linha da pobreza – muitas delas com deficiência – quando tomarmos medidas como essa”, propôs.
Finalizando seu pronunciamento, Ronaldo Tavares agradeceu o convite e convocou todos para continuarem lutando contra o capacitismo.
“Vamos à batalha! Viva a inclusão! Não ao anticapacitismo! Respeitem as pessoas com deficiência. Respeitem a nossa inclusão. Nós somos cidadãos, pessoas que têm sentimentos, que têm vida, e queremos ser agentes contribuidores e multiplicadores do desenvolvimento social. As pessoas com deficiência são, sim, uma parcela importante do Estado do RN e assim merecem ser tratadas”, destacou.
Para a vereadora de Natal, Brisa Bracchi, a luta anticapacitista é parte da luta contra a opressão de classe e das mulheres.
“Nós sabemos que muito mais difícil é a vida das pessoas com deficiência, que sofrem com a desigualdade social e vivem a opressão de classe todos os dias e não têm condições de ter os equipamentos e medicamentos necessários para que possam viver uma dignamente e com qualidade. E nós tentamos dizer todos os dias que isso não são gastos, mas investimentos que podem garantir que as pessoas vivam com dignidade, com o direito básico de ir e vir, de ter acesso a todos os espaços, a cultura etc”, destacou.
A parlamentar reforçou a demora que a sociedade brasileira levou para entender que as pessoas com deficiência não precisam apenas sobreviver, mas viver de forma plena, com direito também a lazer e cultura.
Ela falou também sobre o Projeto “Mãe Luiza Acessível”, composto por um grupo de arquitetos e engenheiros que atuam em casas construídas sem orientação, tornando-as acessíveis às pessoas com deficiência.
“O nosso mandato destinou uma emenda de R$ 80 mil que possibilitou a reforma de banheiros em 8 casas no bairro, para que as pessoas tivessem o direito básico de usar seu próprio banheiro, porque elas não conseguiam. Tinha gente que tomava banho na varanda. Então, vejam o que é um direito básico sendo negado”, concluiu, convocando as pessoas a terem sensibilidade para construir uma sociedade justa para todos, pedindo que não esperem ter uma necessidade semelhante, em si ou na família, para apoiar a causa das pessoas com deficiência.
A artista e militante do MST, Pacha Carbo, contou que tem um filho autista, e que “ele diz que não vê problema em ser autista”.
“E eu também não vejo problema em ser assim, pois o meu corpo sempre foi desse jeito. Na realidade, o problema é para os outros. Então, eu acho que essa discussão sobre o anticapacitismo não somos nós que temos que fazer. Nós somos bem capazes para a sociedade. A sociedade é que não é capaz de nos respeitar”, enfatizou.
Pacha Carbo disse ainda que seu filho ama ir à escola, ama estudar, “mas cada vez que ele vai à aula, recebe uma informação diferente de que aquele lugar não é para ele”.
“Por isso eu acho que a sociedade é que tem deve ser capacitada para respeitar as outras vidas. Não é ruim ser uma pessoa com deficiência; ruim é ser ‘tratada’ como uma pessoa com deficiência, em todos os espaços: na escola, na família, nos movimentos sociais, nas ruas, quando queremos nos divertir. E outra coisa: nós não temos que falar sobre a nossa deficiência. Nós não prestamos conta para as pessoas. Eu não tenho que ficar falando para ninguém sobre mim mesma”, frisou a artista.
Concluindo sua fala, a militante ressaltou que todos os dias tem que enfrentar o capacitismo e ouvir coisas péssimas sobre a existência das pessoas com deficiência.
“E aí nós temos que viver sorrindo e ser agradáveis? Não! Além disso, existem muitas leis, mas nós não temos acesso pleno aos nossos direitos. Então, essa luta vem de muito tempo, mas vamos avançando cada vez mais. E é preciso que nós ocupemos os nossos lugares e as nossas narrativas. Isso também é muito relevante”, finalizou.
Segundo a secretária da Semjidh (Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos), Olga Aguiar, o capacitismo precisa ser mais debatido dentro da nossa sociedade.
“E o problema realmente não está em vocês, mas na sociedade como um todo, que os invisibiliza e os coloca numa condição de inferioridade e incapacidade. E uma audiência como esta é extremamente importante. Não nos deixemos abater pelas dificuldades”, salientou.
Para Olga Aguiar, a reedição do Plano “Viver Sem Limite” é um passo significativo na promoção dos direitos das pessoas com deficiência.
“E ele vai nos inspirar para que nós possamos elaborar o nosso Plano Estadual da Pessoa com Deficiência. Vocês estão na luta para serem respeitados e para que a palavra inclusão saia do papel. Por isso, é importante que as leis sejam realmente efetivadas. Lá na Semjidh, nós temos a Coordenadoria de Promoção de Políticas para Pessoas com Deficiência. Nesses 11 meses, nós estamos trabalhando bastante e já realizamos várias ações, mas elas ainda são poucas e insuficientes. O que a gente quer é efetivamente fortalecer, respeitar e incluir as pessoas com deficiência neste Estado. O RN anticapacitista precisa acontecer já!”, finalizou.
Ao final da audiência pública, a deputada Isolda Dantas elencou os encaminhamentos retirados dos debates.
“Pautar as pessoas com deficiência na LDO e na LOA para o Orçamento de 2025; democratizar o acesso aos documentos de Registro Geral às pessoas com deficiência; interiorizar as políticas de educação inclusiva; garantir UTI Pediátrica especializada para pessoas com deficiência e adolescentes; solicitar mutirão de emissão de documentos para as pessoas com deficiência nos territórios; reforçar a importância da implementação da legislação de psicólogos e assistentes sociais nas escolas, como forma de garantir a inclusão; e reforçar a importância da Conferência Municipal de Pessoas com Deficiência de Mossoró”.
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