A atuação e o reconhecimento das comunidades terapêuticas acolhedoras no Rio Grande do Norte foram tema de debate na Assembleia Legislativa, nesta quinta-feira (15). Proposta pelo deputado Luiz Eduardo (SDD), a audiência pública contou com a presença de representantes do Governo do Estado, da Câmara Municipal de Mossoró, da Associação Norte-Rio-Grandense de Psiquiatria, Ordem dos Advogados do Brasil Seccional RN, além de entidades e membros da sociedade civil organizada.
“Eu acredito muito nas audiências públicas, porque nós já conseguimos atingir muitos objetivos após nossos debates. Por exemplo, recentemente nós resolvemos um problema de décadas que havia na praia de Areia Preta, três meses após a nossa audiência. Então é importante que a gente possa dar voz à nossa sociedade. E a temática de hoje é uma das mais sérias da vida humana na atualidade. É preciso debater o que podemos fazer para ajudar aqueles que convivem com os problemas das drogas, que afetam tanto a saúde física quanto a mental dos indivíduos”, destacou o parlamentar.
De acordo com o deputado, o uso continuado das drogas pode levar ao desenvolvimento de doenças crônicas, como problemas cardíacos e respiratórios, além de distúrbios mentais, como a depressão e ansiedade.
“O vício compromete a capacidade de julgamento e a cognitiva, afetando negativamente a vida pessoal e profissional dos usuários. As drogas também contribuem para a desintegração de relações sociais e familiares. Portanto, o impacto social e econômico é significativo, gerando custos elevados para o tratamento e aumentando a violência e o crime associados ao tráfico. Por tudo isso, sou contra as drogas e acredito que o Estado precisa combatê-las da forma mais eficiente possível, focando na sua exterminação e na ressocialização das pessoas”, acrescentou.
Ainda segundo Luiz Eduardo, o Poder Público não consegue fazer esse trabalho sozinho.
“É preciso união da sociedade para combater esse mal, e nada mais louvável do que incentivar as comunidades terapêuticas, pois elas oferecem um ambiente estruturado de apoio para as pessoas em processo de recuperação de dependência química e problemas emocionais. Esses espaços proporcionam um tratamento integral, combinando terapia, suporte psicológico e atividades educativas. A convivência em grupo e o acompanhamento profissional ajudam os indivíduos a desenvolverem habilidades para lidar com a abstinência e a reintegração social”, frisou o parlamentar.
Conforme o deputado estadual, as comunidades terapêuticas visam ainda restaurar a autoestima e fortalecer a rede de apoio dos participantes.
“O sucesso desses programas frequentemente resulta numa significativa melhoria na qualidade de vida dos envolvidos. Hoje, existem quase 40 comunidades na Grande Natal, e um dos objetivos desta audiência pública é atender suas necessidades, reconhecer sua atuação e principalmente ajudá-las na melhoria de suas estruturas e acolhimento. Portanto, meus parabéns e muito sucesso para as comunidades terapêuticas do Estado! Sempre que precisarem podem contar com o nosso mandato!”, concluiu.
O primeiro integrante da mesa a se pronunciar foi o bacharel em Serviço Social e especialista em Gestão do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e em Gestão Pública, Francisco Touchê, que falou a respeito da parte gerencial.
“Todos aqui já sabem o quanto o trabalho das comunidades é importante. No entanto, a gente foi surpreendido, em abril deste ano, pelo Conselho Nacional de Assistência Social, que instruiu os órgãos públicos a não reconhecerem mais as comunidades terapêuticas como socioassistenciais. Essa medida pegou todos de surpresa, pois as comunidades terapêuticas são a nossa luz quando nós não sabemos mais o que fazer para ajudar as pessoas, já que falta o acolhimento institucional do Estado. E essas comunidades sempre se mantiveram através de emenda ou de repasse dos municípios. E agora, como nós vamos repassar recursos para esses espaços de reabilitação após essa decisão?”, indagou.
Francisco Touchê disse ainda que o trabalho dos centros terapêuticos é “dar direito a quem o tem”.
“Esses locais ajudam as pessoas a se recuperarem. Por isso, são extremamente necessários na sociedade. Quantas famílias hoje sofrem por causa de problemas com drogas? Muitas. Então, precisamos valorizar o trabalho dessas comunidades”, finalizou, enfatizando a importância das políticas de prevenção e do acompanhamento psicológico para as famílias dos pacientes.
Em seguida, o representante da Secretaria de Educação do Estado, João Maria Mendonça, ressaltou a relevância da audiência pública, pelo seu objetivo de dialogar e refletir sobre o assunto, considerando a Lei Nacional de Drogas e o Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas.
“É relevante a gente frisar aqui o papel do Estado nas suas interfaces e intersetorialidade, considerando a Assistência Social, Saúde Pública, Educação, Segurança e Justiça. Nós estamos diante de um grande desafio, e é importante trazer também a Ciência e seus especialistas, além de apresentar os serviços existentes na sociedade, sendo eles públicos ou não”, disse.
O especialista em Gestão Pública evidenciou ainda as atividades desenvolvidas pela sua secretaria em prol da questão.
“A secretaria vem realizando trabalhos importantes nessa causa, fortalecendo os serviços e atuando no campo da formação dos seus professores, já que a Educação trabalha a conscientização e a prevenção. Através da equipe do Núcleo Estadual da Educação para a Paz e Direitos Humanos, estamos trabalhando no campo da formação continuada, com a realização de palestras e oficinas nas escolas. Nós também acabamos de firmar uma parceria com o ‘Instituto Aliança’, que é um projeto de prevenção ao álcool na adolescência”, detalhou.
João Maria Mendonça afirmou ainda que a secretaria criou, recentemente, turmas de Educação para jovens e adultos em algumas comunidades.
“Nós já criamos duas turmas: uma no ‘Centro Terapêutico Amor de Deus’, em Canguaretama, e outra na ‘Comunidade Nova Aliança’. São duas horas e meia de aula, todos os dias, do 1º ao 5º ano, com merenda escolar e certificação. Após isso, os alunos darão continuidade aos seus estudos, do 6º ao 9º ano. Portanto, a comunidade que precisar pode nos procurar que nós iremos ajudar, pois nós acreditamos que a Educação é essencial no processo terapêutico das pessoas que apresentam transtornos decorrentes do consumo de álcool e outras drogas”, concluiu.
Já o vereador de Mossoró e ex-usuário, Isaac da Casta, relatou um pouco sobre a sua história de vida e superação em relação à dependência química.
“Eu sou um ex-dependente químico, em recuperação. Tive problema com drogas ao longo de quase toda minha vida. Com 30 anos de idade, eu tinha mais tempo de droga do que limpo. Vivi um tempo nas ruas de Mossoró. Eu era uma pessoa sem perspectiva nenhuma, vivia destruído. Então, hoje eu agradeço a Deus e à comunidade terapêutica que me acolheu e mudou a minha vida para melhor”, desabafou, enfatizando a importância das comunidades terapêuticas para os pacientes e seus familiares.
“Os centros terapêuticos realmente transformam vidas. Daí a relevância de se trazer tal discussão para o Legislativo, a fim de que possamos ter políticas públicas verdadeiramente voltadas para os que precisam”, asseverou.
Na sequência, o presidente da Associação Norte-Rio-Grandense de Psiquiatria, Ernane Pinheiro de Freitas, iniciou seu discurso alertando todos para que “fiquem atentos ao que algumas pessoas falam sobre o assunto por aí”.
“Eu já trabalhei e trabalho com os pacientes de comunidades terapêuticas, porque sou Psiquiatra. Eu não aprendi apenas lendo um livro ou numa roda de conversa – uma moda que existe agora. E esse costume é um nível muito baixo da nossa Educação. Por isso, eu conclamo as pessoas que estão nos assistindo a se dedicarem de verdade para entender profundamente o que estamos falando, porque senão seremos confrontados por pessoas ignorantes, mas que podem até querer ganhar uma discussão conosco acerca do assunto”, disse.
Complementando, o médico registrou a extrema importância das comunidades terapêuticas, sob a sua ótica, “porque o paciente que é dependente químico, dependendo do estágio da doença, exige diferentes ambientes terapêuticos: ambulatório de Psiquiatria ou Psicologia, CAPS ou até uma Unidade Básica de Saúde. Mas existe um tipo de paciente que necessita urgentemente – e apenas da comunidade terapêutica – pois ele precisa se afastar do ambiente e das pessoas que o aproximam das drogas. E esse afastamento precisa ser por um longo período. Então, a comunidade terapêutica existe por uma razão de ser, ela serve para resolver principalmente esse tipo de caso”, explicou.
Dando continuidade aos pronunciamentos, o secretário da Comissão da Família na OAB/RN, Macgayver Fernandes Damasceno, lembrou que “as comunidades terapêuticas podem utilizar o Judiciário para lutar em prol dos direitos dos seus assistidos.
“Mas para isso é necessário que tenham legitimidade para postular em Juízo. E como se alcança isso? A entidade deverá estar devidamente constituída perante as leis do País. E qual é a solução para regularizar as comunidades que possuam pendências ou não são reconhecidas no mundo jurídico? Elas precisam procurar um advogado que lhes auxilie na correta constituição dos seus atos jurídicos”, informou.
Ainda de acordo com o membro da OAB/RN, o Estado não é capaz de suprir todas as necessidades dos cidadãos, sendo necessário, muitas vezes, contar com a ajuda dos centros terapêuticos, “que estão cumprindo um relevante papel social”.
“Por onde tenho passado, sou identificado como ‘o advogado que luta na defesa dos centros terapêuticos e na defesa dos assistidos’, e isso para mim é motivo de orgulho. Portanto, muito obrigado pelo apoio de todos. Fiquem com Deus”, agradeceu.
A delegada da Polícia Civil, Dulcinéia Costa, esclareceu que a temática tem tudo a ver com a Segurança Pública, já que, segundo ela, quando uma comunidade terapêutica traz as pessoas de volta para a sociedade, estabilizadas e longe da criminalidade, isso contribui para a melhoria da segurança de todos.
“De fato, eu atendi em Delegacia da Mulher e em Delegacia Especializada na Defesa de Criança e Adolescente, e está tudo relacionado. A gente vê que muitos agressores, infelizmente, trilharam o caminho da dependência ao álcool e drogas. Então, eu quero parabenizar a iniciativa da audiência pública, por tratar de um assunto tão relevante para a nossa população”, concluiu, colocando a Polícia Civil à disposição para o que for necessário à causa.
Coordenador do Movimento das Comunidades Terapêuticas do RN, Murilo Vieira do Amaral contou que existem hoje, na Grande Natal, mais de 1.800 famílias beneficiadas por comunidades terapêuticas.
Sendo também ex-usuário, ele disse que “somente quem passa por isso sabe a dor que as drogas causam numa pessoa e em seus familiares”.
Em seguida, ele solicitou ao deputado que lutasse pela criação de uma Frente Parlamentar em favor das comunidades terapêuticas.
“O RN e a Paraíba são os dois estados do Nordeste que não recebem auxílio governamental. Tem muita comunidade aí ‘de pires na mão’. Às vezes faltam profissionais porque a comunidade não tem recursos para mantê-los. Nós estamos aqui porque acreditamos que existe uma saída, mas somos apenas um braço e precisamos do suporte do Estado para fazer o nosso trabalho de uma maneira mais eficiente”, frisou.
Na sequência, o deputado esclareceu que, para as entidades receberem emenda parlamentar, elas precisam ser reconhecidas como “de utilidade pública”, não importando o tempo de fundação.
“Nós temos uma pessoa no nosso gabinete que pode ajudar nisso. Estamos à disposição para preparar o Projeto de Lei e dar início ao trâmite aqui na Casa. Em média, está demorando 90 dias até a sanção da governadora. As associações que precisarem podem nos procurar lá no gabinete. Além disso, podemos lutar pelo reconhecimento também no âmbito nacional, para que vocês possam ter acesso às emendas federais”, garantiu.
O parlamentar acrescentou ainda que recebeu uma informação a respeito da dificuldade das comunidades em conseguirem uma audiência com a secretária de Saúde do Estado.
“Amanhã eu vou pedir para a minha assessoria marcar uma reunião com a secretária. Então eu peço que vocês me enviem o nome de cinco pessoas, para a gente formar uma comissão e ir lá falar com ela”, disse Luiz Eduardo.
Ao final da audiência, o deputado estadual informou que iria preparar um requerimento para a governadora, a fim de sensibilizá-la a criar um programa de assistência para as comunidades terapêuticas do Rio Grande do Norte.
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