Redação/Portal de notícias e fotojornalismo Natal/eliasjornalista.com
Ontem Maria Salete, dona-de-casa, acordou às 4h da manhã. Moradora de Nossa Senhora da Apresentação, estava ansiosa. Com mais de cinquenta anos, há cerca de vinte ela perdeu quase toda a audição. A aparência franzina e cansada é reflexo da dureza da vida, mas ontem ela esboçava um sorriso há muito escondido, meio atrofiado e sem jeito por desuso. Parecia que a sorte finalmente ia mudar.
Para chegar à Via Costeira, veio na garupa da motocicleta de um dos filhos, enquanto outro, o mais novo dos sete, veio de bicicleta. Ao chegar ao hotel Sehrs, a ansiedade gritava em seu peito, mas aguardou quietinha, discreta. Até que chegou sua vez. Dona Salete iria ganhar aparelhos auditivos, que custava cercam de R$ 4 mil cada, e que jamais poderia comprar. Uma moça faz a adaptação e ligou as maquininhas mágicas.
O resultado para quem assistia à cena se traduziu num sorriso e lágrimas que corriam pelo rosto. Salete estava ouvindo. Os filhos ao lado choravam como crianças e o mais novo se aproxima, segura seu rosto e fala: Eu te amo, mãe. “Eu queria dizer isso a ela. A vida da gente não é fácil. Ela não ouve direito e a gente fica preocupado de ela sair na rua. Graças a Deus agora tudo vai ser diferente”, disse Ricardo Oliveira, o filho mais novo.
Assim como dona Salete, na manhã desta segunda-feira, outras 244 pessoas tinham uma história para contar. Aprisionadas ao silêncio, todas falavam de tristeza, isolamento, frustrações e desânimo. Idosos, crianças, pais e familiares que davam testemunhos vivos das agruras provocadas por uma deficiência auditiva.
Seu Robson Batista, motorista de 69 anos, perdeu parte dos movimentos e a audição depois de um assalto, em Candelária. Há 18 anos ele foi pego por homens armados perto de um shopping e levou uma surra, que resultou nos graves problemas de saúde. Ontem ele também recebeu os aparelhos, e comemorou a nova vida. “Agora estou feliz, está beleza”, disse com a dificuldade gerada por tantos anos sem se comunicar oralmente.
Salete e Robson foram alguns dos muitos beneficiados pela missão da empresa Starkey ocorrida em Natal. A corporação é a maior fabricante de aparelhos auditivos nos EUA, detentora de 80% do mercado local. O seu fundador, o magnata Bill Austin, também esteve no evento e trouxe uma comitiva de quase trinta voluntários, fora os reunidos aqui em Natal, para o mutirão ocorrido no Sehrs.
O projeto beneficente roda o planeta inteiro e esteve no Brasil pela última vez em 2015, no Rio de Janeiro. A missão ocorreu no Copacabana Palace e contou com a participação do astro Johnny Depp. Desta vez a comitiva esteve primeiro em João Pessoa, no domingo, onde outras centenas de pessoas foram beneficiadas.
“É um trabalho impressionante, realizado com muito planejamento e estratégia. E para nós é uma honra muito grande participar disso tudo”, disse o médico natalense Rodolpho Penna Lima Junior. O otorrinolaringologista é amigo pessoal de Bill Austin e em Natal é o responsável pela equipe que fez a triagem dos pacientes e que cuidará do acompanhamento e reabilitação de todos. Segundo dr. Rodolpho, somente na Otomed, o centro que ele cuida, a fila de pacientes do SUS tinha cerca de mil pessoas à espera dos aparelhos.
A esposa dele, audióloga Daniele Penna Lima, participa diretamente do projeto, e se diz apaixonada pela missão da Starkey. “Conheci a empresa ainda quando estagiava em Bauru. E posso dizer que nunca vi um trabalho tão bonito e humanizado”, avaliou. De fato, durante os trabalhos era possível perceber a magnitude gigantesca do trabalho, os números vultosos, a estrutura organizada, mas que não deixavam de lado a importância de cada pessoa que estava ali. “Aqui a gente não vê o ouvido. Vê pessoas. Se coloca no lugar delas, e aprende a entender a necessidade de cada uma”, explicou dr. Rodolpho.
À noite Bill e Tani Austin, a esposa dele, e toda a comitiva foram recebidos para um jantar no apartamento dos anfitriões natalenses. Na ocasião eles trocaram presentes e o milionário americano, de 73 anos, explicou o sentido da missão. “Fazer essas pessoas ouvir significa dar vidas a ela. E conectá-las de volta significa me trazer vida também”, disse. Os planos da Starkey são de distribuir cerca de um milhão de aparelhos nos próximos dez anos.
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