O Legislativo Estadual foi palco, na tarde desta segunda-feira (10), de debates a respeito do combate à violação de Direitos Humanos por parte das grandes empresas, no Rio Grande do Norte. Sob o tema “Direitos Humanos e Empresas”, o encontro foi proposto conjuntamente por Isolda Dantas (PT), Divaneide Basílio (PT) e Francisco do PT. Realizada no auditório deputado Cortez Pereira, a audiência pública reuniu autoridades públicas de nível estadual e municipal, além de representantes de sindicatos e movimentos sociais ligados à causa.
A deputada Isolda Dantas deu início ao debate, reforçando que “a audiência foi agendada em parceria com a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e os demais movimentos que constroem a pauta, a nível local e nacional.
“Diante da tramitação do PL nº 572/2022, que trata do regramento sobre grandes empreendimentos, nós queremos dialogar com os movimentos sociais, governo e demais entidades da sociedade civil. O RN tem recebido um conjunto de grandes empresas, em especial de energias renováveis. Então está mais do que na hora de debatermos as questões que envolvem esse contexto”, ressaltou.
A parlamentar contou que, na semana passada, participou da Mesa de Diálogo com a Secretaria Geral da Presidência da República, que abarcou um seminário na UFRN com vários movimentos sociais, a respeito das energias renováveis no Estado.
“E esta audiência se soma a uma construção que não é de hoje e que a gente vem aqui reforçar por compreender a extrema relevância desta pauta. Este não é um problema local, e sim, global. E para se travar uma luta desta envergadura é preciso somar todas as forças. Portanto, todas as pessoas que querem construir uma sociedade em que os Direitos Humanos sejam respeitados e valorizados são muito bem-vindas neste espaço”, destacou Isolda.
Na sequência, Divaneide Basílio (PT) reafirmou o engajamento do seu mandato com a temática e garantiu que, caso seja necessário, será convocada uma nova audiência pública pela Comissão de Direitos Humanos da Casa Legislativa Potiguar.
“É uma honra, para nós, promover este debate. Nós estamos justamente no mês do Meio Ambiente e sabemos que as relações de Direitos Humanos e trabalho estão permeadas pelos impactos ambientais. Além disso, sabemos o quanto de racismo ambiental e violação de direitos existe nesses processos. E pior: é como se o tema estivesse tão maculado que os trabalhadores não pudessem mais falar a respeito. Por tudo isso, saber que estaremos aqui falando de direitos trabalhistas a partir da perspectiva dos Direitos Humanos é um orgulho para todos nós”, frisou a deputada.
Professora de Direito Internacional Público da Universidade Federal de Juiz de Fora, Manuela Carneiro explicou detalhadamente a temática da audiência para o público e destrinchou o Projeto de Lei nº 572/2022.
“A agenda ‘Direitos Humanos e Empresas’ acontece quando os Direitos Humanos são colocados como condição inegociável para o desenvolvimento da atividade econômica. É defender e lutar por isso. Porém, não é algo fácil de se implementar. Essa agenda está sendo conduzida há mais de 40 anos na ONU. Existem dois projetos em disputa: um que fala que a pauta pode até existir, mas sem regras obrigatórias, com os chamados ‘Planos Nacionais de Ação’; e outro que defende a elaboração de um Tratado Internacional de Direitos Humanos e Empresas, desde 2014, com normas obrigatórias e que tenham conteúdo de prevalência dos Direitos Humanos”, afirmou.
Em seguida, a professora falou da importância de se haver boas legislações internas, mas também de existir um tratado internacional balizando as ações, além da cooperação mútua entre os Estados.
“A maioria das grandes empresas são transnacionais e acabam violando muitos Direitos Humanos nos países subdesenvolvidos. Então, no caso de haver alguma ação contra elas, com a proteção de um tratado internacional fica mais fácil para os trabalhadores conseguirem as suas reparações”, acrescentou.
Manuela Carneiro apresentou ainda os aspectos mais importantes do PL nº 572/2022, que está em tramitação na Câmara dos Deputados e versa sobre a pauta.
“A futura lei englobará as empresas e instituições financeiras situadas em território nacional e transnacional, incluindo suas subsidiárias. Além disso, serão diretrizes da legislação todos os princípios e regras que envolvem os Direitos Humanos. O projeto deixa clara também a prioridade desses direitos sobre os de natureza econômica, de comércio etc. Em caso de qualquer violação, as empresas serão obrigadas a reparar os atingidos de maneira integral e devem garantir o acesso pleno a todos os documentos e informações que possam ser úteis para a defesa dos direitos das pessoas atingidas”, exemplificou.
Por fim, a professora deu destaque à elaboração do Decreto nº 11.772/2023, que estabeleceu a “Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas”.
Dando continuidade aos pronunciamentos, a representante da CUT, Jandira Ueara, revelou que o tema da audiência é pauta central da entidade e que ele já vem sendo construído com outras entidades nacionais há bastante tempo.
“Hoje, estão aqui presentes vários dirigentes nacionais e o nosso secretário-geral. Amanhã, nós vamos realizar um seminário sobre o assunto e, na quarta-feira, uma oficina de encaminhamentos. Isso é só para vocês entenderem o tamanho da importância que nós damos a essa causa”, disse.
De acordo com Jandira Ueara, a CUT entende os Direitos Humanos como sendo os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, além dos trabalhistas.
“E é exatamente nesse universo que nós atuamos… As grandes empresas de ‘Primeiro Mundo’ vêm para o Brasil com o objetivo de fazer o que não podem fazer em seus países de origem, por haver legislações trabalhista e ambiental rígidas. Então uma das nossas lutas é justamente esta: para que elas não façam no nosso País o que não fazem nos seus”, complementou.
Outras pautas defendidas pela CUT, segundo sua representante, são a reversão das violações aos Direitos Humanos, com as reparações às pessoas atingidas; e o estabelecimento do diálogo e o protagonismo dos trabalhadores e das comunidades, nos locais em que as infrações ainda não aconteceram.
Representando a Arquidiocese de Natal, Nevinha Carvalho disse que a entidade vem denunciando o que acontece dentro do Rio Grande do Norte, com relação à questão das “energias limpas”.
“E nós temos esperança de contar com a CUT para conscientizar as pessoas sobre o que realmente está acontecendo no nosso RN, tanto sobre as violações de direitos quanto no que diz respeito às condições absurdas de trabalho”, criticou.
Em sua fala, o presidente da CUT estadual, Francisco Nunes, deixou claro que os movimentos sociais não são contra o desenvolvimento econômico.
“Mas é necessário fazermos debates para que esse desenvolvimento respeite o Meio Ambiente, as comunidades e os povos originários. Não foi isso que nós constatamos na visita com a Secretaria da Presidência, semana passada. Nós vimos muitas situações de violação aos Direitos Humanos, em diversos municípios do Estado. Então, este momento aqui é muito oportuno, e a nossa CUT estadual está sempre apoiando a luta”, garantiu.
Na sequência, a representante da Marcha Mundial das Mulheres, Adriana Vieira, discorreu sobre as violações de Direitos Humanos relacionados à geração de energia eólica, no Estado.
“Aqui no RN, hoje, nós temos 293 parques eólicos. 13 devem funcionar até 2026 e 91 estão em construção. Fora a organização da energia eólica no mar (offshore). Com relação a Saúde, já existem duas doenças relacionadas: Síndrome da Turbina Eólica e Doença Vibroacústica, que afeta o sistema imunológico e respiratório. Em relação ao trabalho, nós sabemos que é comum a criação de porcos, galinhas e ovelhas, no campo. E até isso está sendo afetado. A galinha não tem a mesma postura e existem histórias de abortos espontâneos por parte de alguns animais. Além disso, as pessoas que moram próximas não estão conseguindo dormir direito, devido ao barulho e à luz que fica ligada o tempo inteiro”, denunciou.
Williana Soares, membro do MST, também utilizou seu tempo para listar alguns impactos provocados pelas empresas de energias renováveis no RN.
“Existe o impacto sobre a fauna, a flora e o espaço hídrico; na Saúde, temos o aparecimento da ansiedade, crises alérgicas, problemas auditivos e dores de cabeça crônicas. Ainda não foi afetada a produção no solo, diretamente, mas as abelhas estão sumindo de Jandaíra, as galinhas estão ficando desorientadas e os caprinos estão sendo extremamente atingidos por causa da audição sensível que possuem. Na área social, aluguéis superfaturados, comércios que mudam completamente a dinâmica dos municípios, aumento do tráfico de drogas, prostituição, alcoolismo e o aparecimento de milícias”, elencou.
No que diz respeito a Infraestrutura, ela citou o fato de que a instalação das torres causa rachamento nas cisternas.
“E, no semiárido, nós sabemos que não dá para produzir sem água. Em termos jurídicos, apareceram as cláusulas de sigilo, a renovação automática sem prévia consulta e o ônus para o camponês, que não pode se aposentar, pois juridicamente ele se torna sócio da multinacional e não mais agricultor familiar. Então, esse é o cenário… e a pergunta que fica é: o que está reservado para a nossa juventude do Rio Grande do Norte, daqui a alguns anos?”, provocou.
O secretário da Reforma Agrária e Meio Ambiente da Federação dos Trabalhadores Rurais e Agricultores Familiares do RN (Fetarn), Alécio Ananias, relatou que também esteve percorrendo o Estado com a equipe da Presidência da República, na semana passada, e viu de perto os impactos sofridos pelos povos tradicionais e os agricultores.
“Depois de tudo que eu presenciei, eu peço que os nossos parlamentares consigam um diálogo com a governadora para tentar rever a maneira como está sendo implementada a energia renovável aqui no Estado. A situação está complicada em todo o RN. E, desde o início, a Fetarn vem acompanhando e dialogando. Nós estamos juntos nessa luta em defesa dos direitos dos nossos povos”, finalizou.
Por fim, o subsecretário do Gabinete Civil do Governo do Estado, Gilderlei Soares, parabenizou o Legislativo pela iniciativa em promover o debate e falou da importância do setor empresarial dentro do contexto econômico mundial.
“Das 100 maiores economias do mundo, 60 são empresas e 40 são países. Portanto, é visível o impacto que o setor empresarial tem sobre a Economia global. Então, é impossível discutir Direitos Humanos hoje em dia sem pensar no papel das empresas. Não adianta a ONU, os países, estados e municípios elaborarem suas leis, se não houver apoio da sociedade civil – e as empresas estão nesse meio. Por isso, é preciso garantir que os entes federativos elaborem leis que façam as empresas cumprirem os Direitos Humanos e, também, é preciso haver fiscalização”, opinou.
Para o subsecretário, deve-se entender os direitos humanos como uma série de fatores, com relação a Educação, Saúde, trabalho digno etc.
“É importante que as empresas discutam, no seu processo produtivo, a garantia dos Direitos Humanos, seja dos seus funcionários, seja das pessoas que terão acesso ao seu produto/serviço ou da população que estará diretamente envolvida com a sua produção. E nós, enquanto Estado, precisamos discutir o papel dessas empresas em toda essa cadeia produtiva e social”, concluiu.
Ao final da audiência, foram citados três encaminhamentos: a realização de outro debate sobre o tema, através do Consórcio Nordeste, do qual a governadora Fátima Bezerra é presidente; o envio de uma denúncia formal à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, por parte dos movimentos sociais participantes da audiência pública; e o agendamento de uma reunião com o presidente do IDEMA, a fim de dialogar com o governo estadual e construir o caminho mais adequado para a questão.
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